quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Saúde!

Aquela velha tinha todas as doenças que eram possíveis de se imaginar. Se ela montasse uma loja de doenças ganharia um bom dinheiro. Sua cadeira de rodas era motorizada, pois seus braços - com elefantíase - não eram capazes de se mover. E se pudessem, sua resistência não permitiria, era asmática. Além da osteoporose. Por mais incrível que pareça, ela era MEIA obesa. A outra metade era raquítica.

Usaria óculos, se não fosse cega de um olho. O outro olho era tão vesgo que ela enxergava seu cérebro. Aquela tênia que morava em seu intestino não podia ser chamada de solitária, pois era uma dupla. Em seu braço esquerdo havia um ótimo mapa da cidade, graças a uma família de bichos geográficos. A deficiência de ferro em seu organismo era compensada pela incontrolável fome de terra. Tinha as duas dengues ao mesmo tempo. A febre de quarenta graus não era amarela, era policromática. Uma doença lutava contra a outra. Sobrevive o mais forte.

Ainda em sua juventude, comeu um scargot num boteco nada confiável. Eram caramujos africanos, contaminados com angiostrongiliase meningoencefálica. Uma doença quase impossível de contrair em seu país ela conseguiu: pela picada de uma mosca tsé-tsé ficou com a doença do sono. Os ratinhos de estimação transmitiram leptospirose. Bactérias carnívoras devoravam sua barriga com esquistossomose e camuflavam a lepra. Ninguém sabia como ela podia sobreviver sem fazer hemodiálise, pois seus rins foram roubados e vendidos no mercado negro. Ela tinha mal de Parkinson, mas nem se lembrava, pois tinha também Alzheimer.

O tumor em seu cérebro estava registrado no livro dos recordes. Sua catapora era vitalícia. Aliás, era impossível saber o que era sarampo e o que era catapora. Junto com as feridas da leishmaniose. Já tinha se acostumado com a sarna de décadas. A embolia pulmonar, conseqüência de uma complicação de trombose, era fichinha. Suas gengivas eram prodres devido ao escorbuto. Seria interessante ouvi-la contar como é possuir todas essas enfermidades, se não fosse a deficiência nas cordas vocais e o câncer na língua presa. Seu retardamento mental era uma coisa fantástica. Uma escala negativa de QI foi inventada só para ela.

A tuberculose ela pegou quando tomou um vento encanado. Isso era o que ela pensava. Na verdade foi quase isso. Não era o vento que estava encanado, era um coquetel de doenças que entrou diretamente em suas veias. Tinha beribéri, malária e mais uma porção de doenças ruins.

Mesmo com todos esses reveses - e mais alguns -, tinha um grande coração. Devido ao mal-de-chagas.

Um belo dia, todos os seus problemas acabaram. Ela morreu.


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